26 outubro 2010

Quem quer ser capa da TV Guia? (Parte 1)

(o primeiro artigo deste blog que já se sabe à partida que vai ter uma segunda parte. Quem é amigo, quem é? Enjoy.)

Lembram-se de quando a TV Guia era assim?


Bons tempos, bons tempos, em que havia uma revista que nos dizia o que ia dar na TV. Pois. Agora, a TV Guia é assim:


Não sei em que ponto é que a TV Guia deixou de ser a revista de referência da programação da TV para passar a ser uma revista cor-de-rosa igual a tantas outras. A certa altura devem ter pensado "é pá, as revistas da concorrência ganham rios de dinheiro a contar as aventuras da Rita Pereira com o Angélico e nós aqui com entrevistas ao Tarcísio Meira!" e pimba! lá se passaram para o lado do cor-de-rosa (e sim, o "pimba" foi intencional). No entanto, não quiseram fazer uma simples passagem para o cor-de-rosa, quiseram fazer algo em estilo. Uns convites ao Carlos Castro e ao José Castelo Branco para comentar, o achincalhar das revistas da concorrência, a contratação de uma dúzia de amigos do casal que estão sempre prontos a contar os pormenores mais sórdidos das celebridades... enfim, mas quanto ao conteúdo deixo-o para a segunda parte. Desta vez quero falar de um pormenor com que a TV Guia levou o cor-de-rosa ao rubro, algo que foi afinado ao pormenor e que é sempre perfeitamente executado, semana após semana: as capas enganosas.

Antes de mais, voltemos ao título deste artigo: querem ser capa da TV Guia? É muito fácil, para ser capa da TV Guia, só é preciso ter uma destas quatro coisas:

  • Ser a Alexandra Lencastre, ou
  • Ser o Tony Carreira, ou
  • Ser a Rita Pereira ou a Luciana Abreu, ou
  • Ser famoso e estar envolvido numa espécie de escândalo que a ser escândalo nem seria assim grande coisa mas no final de contas nem sequer é verdade.
É impressionante o apreço que a TV Guia tem pela Alexandra Lencastre e pelo Tony Carreira, porque volta e meia lá aparecem eles outra vez na capa. Pelo menos uma vez em cada dois meses é garantida. A Rita Pereira é também uma celebridade emergente nesta revista: no mês de Junho, foi capa em três das quatro revistas que foram lançadas. Parecem ser aquelas pessoas que estão sempre lá e se vão buscar quando não há mais nada de especial no mundo cor-de-rosa... "Esta semana não se passa nada, o que é que se há-de fazer? - É pá, olha, mete-se a Alexandra Lencastre e diz-se que está deprimida."

Mas o que vem a ser isto das capas "enganosas"? É assim, não é que a TV Guia esteja propriamente a mentir na capa, mas digamos que... olhem, vou-vos dar um exemplo dos mais recentes:


Eh lá! A Júlia Pinheiro casou-se? Em segredo? Com quem? Então mas ela não era já casada? É pá, que escândalo, vou já comprar a revista para saber tudo!

E assim, depois de folhear a revista de uma ponta à outra e encontrar a história quase na última página, descobre-se afinal que quem se casou em segredo foi a enteada da Júlia. Mentiram na capa? Não! Ali só diz "Casamento em Segredo", não diz quem é que se casou!

Não sei quem tem as ideias para estas capas mas isto são golpes de génio. Incentiva-se o leitor a comprar a revista por um escândalo bombástico para o fazer depois descobrir que não há escândalo nenhum, e não é nada de especial. Mostro-vos outros exemplos a seguir:

As fans do Tony Carreira devem entrar em pânico com notícias destas. Oh meu Deus, o Tony Carreira doente, e agora como é que eu vou ver os concertos dele? Não se preocupem, as letras miudinhas da capa dizem que ele está arrasado mas a doença não é dele, é do seu amigo Ricardo Landum...


Pobre Mickael, um rapaz explorado pelo pai, que o obrigou a servir às mesas em Paris para que o filho soubesse o que custa a vida! Mas afinal... o emprego durou apenas duas semanas, e foi o próprio Mickael que quis ir trabalhar, o pai limitou-se a aceitar a decisão dele...


Cá está a nossa Júlia Pinheiro outra vez... Sozinha em férias? Coitada... Mas nas páginas interiores só aparecem fotos dela em férias com... o marido! Estranho, não percebi... o marido não é ninguém?!

Falando em férias, o nosso Tony também não está muito bem neste aspecto. Pai solteiro? Que aconteceu à mulher? Separado? Oh, o drama, o horror... O que vale é que é só por um mês, porque a mulher tem de ficar a trabalhar.

E por fim, não posso deixar de meter esta, que está espectacular. Tony Carreira Perde o Filho. Perde? Como? A mulher estava grávida e abortou? Um dos seus filhos morreu? Não, vai para Itália fazer de modelo e jogar futebol... Só me faz lembrar este sketch dos Gato Fedorento em que o gajo também tem um filho que lhe morreu...

Por fim, deixo só mais alguns de que me lembro mas que já não encontrei para colocar aqui. Uma delas, também com o Tony Carreira, dizia qualquer coisa como "Tony Carreira Sofre Por Doença", quando afinal era uma doença que ele já tinha tido, e pela qual já tinha sofrido, há 20 anos. A segunda já não me lembro de quem era, mas na capa estava escarrapachado "<celebridade> Fala Sobre A Sua Homossexualidade" para depois nas páginas interiores se ler "Não Sou Homossexual".

Nota: é possível que haja pessoas incomodadas pelo facto de eu falar apenas na TV Guia e não nas revistas da concorrência,  talvez até a própria TV Guia leve a mal o facto de eu não fazer o "contraditório" com os restantes magazines do cor-de-rosa. A esses respondo-lhes apenas que tem a TV Guia muita sorte por a minha mãe, mesmo assim, continuar a comprá-la, em vez de uma qualquer das outras.

02 outubro 2010

Santinho não... santão!

Serei só eu que acho ridículo que se diga "Santinho" às pessoas adultas quando elas espirram? O que é que isto quer dizer? Ou melhor, porque é que o santo é tão pequenino, afinal? Porque, OK, percebe-se que se diga "Santinho" aos pequeninos, porque olhamos para a cara deles e (a maior parte das vezes) é mesmo isso que eles parecem. Agora a um adulto...

Penso que é claro que ao dizermos "Santinho" estamos efectivamente a chamar santinho à pessoa que espirrou, por isso é que dizemos Santinho aos homens e Santinha às mulheres. A alternativa seria estarmos a invocar um qualquer santo que fosse igual em género ao do nosso interlocutor, mas não me parece que assim seja, até porque talvez um homem preferisse que se invocasse uma santa e vice-versa (que diriam os homossexuais e os travestis?), que confusão que não seria. Portanto, admitindo que lhes estamos a chamar Santinhos, porque não lhes chamar Santos a partir do momento em que fazem 18 anos? Ou então Senhor Santo, a partir dos, sei lá, 40?

É um bocado parecido com o facto de dizermos "para o menino" quando cantamos os parabéns a uma pessoa adulta. Mas aí sabemos que o fazemos de forma consciente (aliás, aqueles que tentam "manter as aparências" e dizer "para o senhor" no meu entender ficam mais mal que bem). Há até quem seja apologista de que quem faz anos é "bebé" no dia do seu aniversário. Chamar "menino" a uma pessoa adulta, conscientemente, no dia do seu aniversário, é fazer-lhe um elogio, é fazê-lo voltar aos seus tempos de infância, e portanto, quanto a isso não tenho nada contra.

Mas o "Santinho" é involuntário, é uma expressão que proferimos quase por reflexo, sem pensar nas consequências dos nossos actos. "Santinho" era algo que os nossos pais nos diziam desde pequeninos, que ficou gravado na nossa mente e que continuamos a usar com toda a gente na falta de uma expressão melhor. Não temos nada do nível de um "Bless You!" anglo-saxónico (algo parecido com "Deus te abençoe" quando traduzido à letra). Aliás os próprios estrangeiros, ao aprender português (já para não falar dos lusófonos do Brasil) têm dificuldade em perceber a expressão "Santinho/Santinha", substituindo-a frequentemente por "Viva" ou "Saúde", alternativas que não convencem (ninguém aqui diz "Saúde" assim do nada, e "Viva" é mais uma forma de cumprimento) mas mesmo assim são mais dignas. Outros, já portugueses, têm as suas próprias alternativas, que no fundo expõem o ridículo da situação, casos, por exemplo, de "Diabinho" ou "Nunca fostes" (sic).

E depois há também casos em que, além de ridícula, a expressão é desconfortável ou mesmo injusta, quando nos apercebemos que estamos a chamar santinho a alguém de quem não gostamos ou mesmo que, na nossa opinião, é tudo menos um santo. Imaginem dois lutadores de boxe naquelas conferências de imprensa que antecedem o combate:

- Este senhor que tenha cuidado comigo, porque no combate vou dar cabo dele.
- Eu não tenho medo, pá, bates como uma menina!
- Bato o quê? Queres ver se queres levar já!
- Anda cá, menina, que eu não tenho medo!
- É pá, eu parto-te todo, eu dou cabo de ti!
- Anda cá, anda cáaaaa... atchim!
- Santinho.

Pensem bem nisto. Chamariam santinho ao colega que foi promovido não por trabalhar de forma exemplar, mas por passar o tempo a dar graxa ao patrão e a falar mal dos outros? Chamariam santinha à colega coscuvilheira, que sabe tudo da vossa vida, vá-se lá saber como, e não se inibe de a contar a quem quer que seja que lhe apareça pela frente? Então e aquele senhor com ar de cinquentão, cabelo grisalho e nariz abatatado, que nos pede sempre para fazer sacrifícios mas depois não cumpre o que prometeu? Que lhe diriam a ele quando espirrasse? Tem que haver uma outra expressão. Tem que haver uma alternativa.