26 setembro 2011

Fazem fazem fazem... mas não os vejo a fazer nada

O verbo fazer é um dos mais importantes na vida humana. Aquilo que nos define como indivíduos é o que fazemos: perguntar "o que é que tu fazes?" a uma pessoa com o objectivo de a conhecer é tão natural como beber água. Se alguém pura e simplesmente não faz nada, então é olhada com um misto de pena e decepção (o olhar do "coitadinho") pelo resto da sociedade, ou pelo menos pela parte da sociedade que se preocupa com isso. O stress, essa doença tão moderna, tem origem no simplesmente no facto de se querer (ou ser obrigado a) fazer mais do que é possível. Em suma, andamos todos a fazer alguma coisa.

Porém, talvez devido a essa obsessão com o fazer, acabamos por dizer que fazemos coisas que nunca deviam ser feitas. E aqui, tenho que dizê-lo, desculpem se ferir susceptibilidades mas isto é mesmo assim, a culpa é dos franceses. Boa parte da culpa. Um bocadinho da culpa. Se há duas coisas que os franceses gostam de fazer é de jogar instrumentos musicais (jogar piano, jogar guitarra, jogar saxofone...) e de fazer coisas como atenção e cuidado. Depois claro que os nossos emigrantes trazem os termos para cá, mas a culpa não é deles, se os franceses quisessem "avoir attention" em vez de "faire attention", os emigrantes também não vinham fazer atenção para cá.

É que fazer significa fabricar, construir. E, mais importante que tudo, fazer significa que somos nós que o fazemos, não é outro qualquer. E ter é possuir, é chamar seu a uma determinada coisa. Se eu tenho algo não implica necessariamente que o fiz, posso tê-lo recebido de outra pessoa ou entidade. Ora, o cuidado não se fabrica. Ou se tem ou não se tem. Quem tem cuidado age de acordo com o cuidado que tem. Não perde tempo a fazer cuidado antes de agir.

Segundo ponto em questão: fazer doenças. Aparentemente alguns de nós acham-se narcisistas o suficiente para pensar que são eles próprios que fazem gripes, congestões, pé de atleta, pneumonias, depressões, sei lá, SIDA e mais não sei quê. Depois chegam ao pé de nós e dizem "não andes à chuva que ainda fazes uma constipação!" Esquecem-se que as constipações são feitas por uns bonequinhos pequeninos chamados vírus, são eles que fazem a doença e depois oferecem-nos a dita cuja, passando nós a tê-la. É muito feio tomar crédito de algo que não fomos nós que fizemos, não é?

O que nos leva aonde eu queria chegar no fundo, ao terceiro e mais importante ponto da história: fazer amor. Ou, como eu gosto especialmente de dizer, fazer o amor. Meus amigos, aparentemente o amor faz-se. Fabrica-se. Constrói-se. E perguntam vocês como é que se faz o amor? Tem-se sexo. Ora bem, em Portugal argumenta-se que o sexo também se faz, mas tomo aqui a posição dos nossos amigos anglófonos, com a sua dicotomia make love / have sex. Por isso é que nos filmes americanos eles demoram tanto tempo para dizer "I love you". Porque é assim: primeiro apaixonam-se, mas é só paixão, não há amor ainda. Depois passam uns tempos a fazer amor, fazem, fazem, fazem até terem os dois uma grande pilha de amor para dar e vender. E só depois é que realmente dizem que amam o outro. O problema é que quando um deles diz o temível "I love you" e o outro acha que ainda não o ama o suficiente. É porque o primeiro fez mais amor que o segundo. Provavelmente sozinho.

Mas continuo a não conseguir entender porque é que o amor se faz e o sexo se tem. Bem, podemos argumentar que sexo já o temos mesmo, cada um de nós tem um, a questão é que efectivamente fazemos alguma coisa com eles. Segundo a mesma lógica, se quiséssemos dar a mão podíamos dizer "vamos ter mão" e se quiséssemos beijar-nos podíamos dizer "vamos ter boca". Esta fica sem perceber, quem souber a resposta que responda. Outra pergunta que tem que ser feita é: porque é que duas pessoas que se amam fazem amor. Para quê? Já não fizeram amor suficiente para se amar um ao outro? E depois o que é que fazem ao amor em excesso? É que depois andam por aí impregnados de amor a dar beijos e a fazer avanços em público, e a certa altura ninguém pode estar ao pé deles de tão melados que estão. Fazem amor a mais, e depois não têm onde o meter. Olhem, a melhor solução é varrer para debaixo do tapete, que é como quem diz escondê-lo dentro do útero da mulher, mas depois não se admirem que o tapete venha a ter um alto tal que já não se consegue disfarçar.

16 setembro 2011

E por falar em telenovelas...

- Ah Etelvina, tu tens visto os Perdidos de Amor?
- Ah Zulmira, tenho visto pois! Tu já viste o que aquela Diana anda a fazer à pobre da Patrícia? Agora vai seduzir o António de propósito para ele acabar com ela!
- Ah, essa Diana, é que ela é mesmo má!

Aham! Desculpem, também estava aqui entretido a ouvir a conversa. Portanto, telenovelas. Confesso que não sou a pessoa mais indicada para falar de telenovelas, porque não as vejo há anos, provavelmente há décadas. A última novela que vi deve ter sido, deixa cá ver, O Rei do Gado ou assim. Simplesmente deixei de ter paciência para elas. Gosto de ver séries porque dão só uma vez por semana, agora tentar seguir algo que dá todos os dias e muitas vezes a horas indecentes já não é para mim. Mas é precisamente porque já não vejo novelas que começo a achar um interesse especial nas pessoas que falam de novelas. É a forma apaixonada como as descrevem, como as comentam, como tentam convencer quem está de fora que é a melhor novela que já viram em toda a sua vida. Não é que o consigam, porque para quem está de fora, uma novela continua a parecer uma coisa bizarra. Então mas digam lá, os Perdidos de Amor é sobre quê?

- Olha, é assim, são duas irmãs, a Patrícia e a Diana, a Patrícia é boazinha e a Diana é má, que por sua vez estão casadas com dois irmãos, a Patrícia com o António e a Diana com o Francisco. Só que a Diana gosta é do António e quer roubá-lo à irmã. E o Francisco...
- O Francisco é um panhonhas!
- É um panhonhas ele, não liga nenhuma à mulher, ela anda com os homens que quer e ele não vê nada! Mas olha que ela faz um papelão, hã? E quando ela se atirou para cima do carro só para perder o bebé?
- Faz um papelão, ela!

E aqui está a primeira figura típica de quem fala de novelas, que é a figura do papelão. Normalmente o "papelão" seria para quem é muito bom actor, mas nas novelas quem é que faz sempre o papelão? É a pessoa que faz de má. Aliás, não é bem assim, é a mulher que faz de má. Primeiro, porque os homens não têm jeito para novelas, ninguém lhes liga nenhuma, não se metem em intrigas e maledicências tão bem como o fazem as mulheres. E depois, porque a má da fita é a que faz sempre as cenas mais interessantes, é a personagem menos parecida com as pessoas que vemos no dia-a-dia. A boazinha da fita, que tem de se fazer de sonsa a maior parte das vezes para que a novela dure 150 episódios, não é mais do que uma pessoa comum como todos nós, é a coisa mais fácil de se fazer.

A segunda figura típica é a da personagem cómica, que frequentemente usa um bordão que na novela é repetido vezes suficientes até ter piada. Mas quando se tenta descrever essa personagem a quem nunca viu a novela, é outra história. Quer dizer, toda a gente que via Roque Santeiro ria-se a bandeiras despregadas sempre que Sinhôzinho Malta abanava as pulseiras e dizia "Estou certo ou estou errado?". Mas experimentem contar isso ao vosso filho de dez anos e garanto-vos que, se ele se rir, é porque está a gozar convosco.

- Ah, essa história da personagem cómica faz-me lembrar o Asdrúbal dos Laços dos Anjos. Tu não vês os Laços dos Anjos, Zulmira?
- Ah Etelvina, essa não vejo, não.
- Olha, aquilo é um fartote de rir. Ele faz aquela cara assim meio de parvo que ele tem, e começa a dizer "Não caias em desgraça! Não caias em desgraça!"
- Pois, não sei, essa não costumo ver...
- Ah, mas a expressão que ele faz! Parece que mete a boca mesmo colada ao nariz, e depois "Não caias em desgraça!" Ah! Ah! Ah! Já me estou a rir só de pensar nisso...

Depois temos as telenovelas brasileiras. No tempo em que eu via novelas só havia novelas brasileiras em Portugal. Tudo bem, havia uma portuguesa de vez em quando, mas mesmo assim quando havia era uma entre três ou quatro brasileiras. Agora as telenovelas portuguesas proliferaram e as brasileiras é que são uma minoria. As novelas brasileiras distinguem-se das portuguesas em 3 pontos, 1 - têm um tema diferente e mais específico, usualmente envolvendo uma minoria étnica ou de imigrantes (os indianos, os italianos, os ciganos, os japoneses, etc. etc.), 2 - esbanjam criatividade nos nomes das personagens, fazendo com que o telespectador assíduo passe a dizer coisas como "a Cleusa finalmente vai casar com o Sinval", e 3 - dão à novela um título típico, por vezes com termos derivados do Tupi à mistura que nós portugueses simplesmente aceitamos que nunca vamos entender. O que é mesmo interessante é ver as pessoas falar saudosamente do tempo em que as novelas brasileiras eram rainhas...

- Pois, Etelvina, a essa hora eu vejo a Suruticuti. As novelas portuguesas também são boas...
- São diferentes.
- Pois, são diferentes, mas a mim ninguém me tira as brasileiras. Eles gritam mais, falam alto e bom som, não estão cá com meias medidas. Parece que têm mais vida! Estes daqui são sempre a mesma coisa, meios calados, sempre com as mesmas histórias.
- Ah Zulmira, tu viste como é que ficou a história da Juliaci com o Dorival?
- Vi pois! Então ela ia para o beijar pela primeira vez, mas nisto aparece o Jefferson e o Nicholas todos esbaforidos a dizer que a Dafne tinha tido um acidente, que era tudo mentira, ela tinha fingido tudo só para ficar com o Dorival. Depois o Dorival foi a correr ter com a Dafne ao hospital, já lá estava o Agnello, e ela pediu para ficar com ele de maneiras que ele não voltou a ver a Juliaci. Mas agora ela disse à Lucineide para mandar um recado pelo Jarbas para eles se encontrarem outra vez. E ficou assim para hoje.

... o que me leva à terceira figura típica das novelas, a criada e o mordomo (sempre com os respectivos nomes típicos, obviamente). A sério, quem é que ainda tem criada e mordomo hoje em dia? Eu não conheço ninguém que tenha. Ainda por cima aparecem sempre vestidos a rigor, como mordomo e criada franceses, o último dos quais servirá na realidade mais para fantasias sexuais do que propriamente para limpar a casa...

Por último, e uma vez que há em média uma dúzia de novelas a passar todos os dias na televisão pública, o que as pessoas que falam de novelas gostam mais de dizer é que vêem poucas novelas. Então, não querem perguntar à Etelvina e à Zulmira quantas novelas vêem?

- Ó rapaz, tu pensas que eu faço vida de ver novelas ou quê? Só vejo três, vejo os Perdidos de Amor, vejo os Laços dos Anjos e vejo a Selvagem Indomada à hora de almoço. E só espreito o Suruticuti de vez em quando.
- Ah, eu vejo os Perdidos de Amor, o Suruticuti e a Selvagem Indomada que também é muito bonita, e vejo o Amor de Paixão à tarde. Então, que remédio, é o que está a dar...