21 junho 2012

A carteira do George

Este é o aspecto actual da minha carteira:


A minha carteira está a um passo de se tornar a carteira do George, da série Seinfeld, uma carteira tão grossa que impedia o próprio George de se sentar direito quando ele a punha no bolso de trás das calças.

Vale a pena dizer, porém, que o meu problema não é igual ao do George. Ele tinha a carteira naquele estado porque açambarcava todo o tipo de papelinhos, recibos, cartões de contacto, números de telefone escritos em guardanapos, porque nunca se sabia quando algum deles seria preciso. Eu, embora tenha a mesma mania de açambarcar todos os papéis, faço uma limpeza periódica dos mesmos, deixando apenas os dois ou três que são realmente importantes. O meu problema é outro: moedas a mais.


Estas são as moedas que encontrei na minha carteira. Note-se a quantidade exorbitante das chamadas moedas "pretas", de 5, 2 e 1 cêntimos, principalmente destas últimas. Há uma explicação para isto. Aliás, há duas explicações. A primeira é que não deito moedas fora (como fazem alguns dos meus colegas alemães). A segunda é que não as consigo dar como troco.

Na minha terra natal não teria problemas. Aparte a trabalheira de ter que procurar as moedas na carteira (ainda mais as pequenas, que são as mais difíceis de apanhar), não me custa fazê-lo para entregar a conta certa. Na Alemanha, porém, é diferente. Dizem-me que a conta total é dreizehn, drei und fünfzig, e eu fico completamente baralhado, mesmo sabendo que isso traduzido à letra é treze, três e cinquenta. Resultado: uma nota de 20 para pagar 13,53 €. Resultado: mais moedas. Repitam isto para cada transacção que eu faço e facilmente perceberão o estado actual da minha carteira.

Não é que eu já não saiba contar em alemão. É que, com a maneira como eles dizem os números (trocando as unidades com as dezenas e mantendo as centenas e milhares), de cada vez que dizem sieben und neunzig tenho de pedir para repetir e pensar três vezes antes de perceber se estão a falar de 79 ou de 97. Pior ainda é quando adicionam as centenas, hundert neun und vierzig (149) e depois os cêntimos de euro, hundert neun und vierzig, neun und neunzig (149,99). Uma confusão!

E para alimentar ainda mais a confusão, contaram-me há pouco tempo que os alemães estão tão habituados a trocar as dezenas com as unidades que por vezes também as trocam a traduzir para inglês! Por isso estejam atentos e não se admirem se forem pagar uma conta de 25 euros e vos pedirem fifty two euros em vez de twenty five. É que os alemães podem enganar-se ao tentar traduzir fünf und zwanzig para five and twenty.

Bónus. O número 6 escreve-se sechs em alemão mas lê-se zex e não sex. Apercebi-me disto um pouco tarde demais: o resultado foi que no restaurante quis pedir o prato número 6 e em vez de dizer ich will sechs (eu quero o seis) acabei por dizer à empregada ich will sex (eu quero sexo). Não sei porquê, ainda hoje os meus colegas alemães fazem questão de me lembrar dessa história e de rir às gargalhadas à minha custa...

07 junho 2012

Patos e assistentes do House

Não é comum eu falar de trabalho neste blog, mas é o que vou fazer hoje. Embora este tipo de situação possa igualmente acontecer fora do trabalho. É algo que experienciamos frequentemente na nossa rotina diária. E embora tenha descoberto estas duas técnicas através de blogs de programação, elas podem ser aplicadas em qualquer tipo de profissão.

Suponha que tem uma mente brilhante. Ná, estou a brincar, claro que não é preciso supor. Você já tem uma mente brilhante. Mas todos sabemos como as nossas mentes brilhantes se distraem por vezes, ou ficam demasiado concentradas, e volta e meia descobrimos de repente que temos o mais simples dos problemas e não conseguimos resolvê-lo. Lembra-se de como isso o irrita?

A forma mais fácil de resolver isto é procurar uma mente mais brilhante que a sua e pedir a sua ajuda. Problema resolvido. Só que, às vezes não é assim tão fácil encontrar essa pessoa. Essa pessoa pode não existir (se você já for a mente mais brilhante na sua área de especialização); ela pode existir mas estar inacessível; ela pode estar acessível mas ser também um idiota que não gosta de ajudar os outros; ela pode não ser um idiota mas estar farta de idiotas como você que a fazem perder o seu tempo com perguntas de jardim-escola. Seja qual for o caso, não há ninguém a quem possa imediatamente pedir ajuda. Mas ainda não está completamente tramado. Há mais duas coisas que ainda pode tentar, e que eu vou mostrar a seguir.

1. Pergunte ao pato


"Perguntar ao pato" é apenas um dos termos que eu escolhi para descrever esta solução. Outros poderão chamar-lhe Depuração por Pato de Borracha ou Resolução de Problemas por Pato de Borracha. Este método já existe pelo menos desde 2002, mas foi a partir de uma história mais recente que pude compreendê-lo e aclamá-lo como uma excelente solução para os mais variados problemas. Nesta história, o chefe de um jovem designer que está farto de ouvir sempre as mesmas perguntas fáceis encontra uma forma original de se livrar do problema:
Bob apontou para um canto do escritório. "Naquele canto," disse ele, "está um pato empalhado. Eu quero que faça a sua pergunta a esse pato."

Olhei para o pato. Estava, efectivamente, empalhado, e definitivamente morto. Mesmo que não estivesse morto, não seria provavelmente uma boa fonte de informação sobre design. Olhei para o Bob. O Bob estava sério. Ele era também o meu superior, e eu queria manter o meu emprego.

Desajeitadamente, pus-me ao lado do pato e inclinei a cabeça, como que a rezar, para comunicar com o pato. "O que é que está a fazer?", perguntou o Bob.

"Estou a fazer a pergunta ao pato", disse eu.

Um dos superiores do Bob estava no escritório. Sorria como um sacana, de volta do seu palito. "Andy", disse Bob, "eu não quero que reze para o pato. Eu quero que FAÇA AO PATO A SUA PERGUNTA."

Mordi o lábio. "Em voz alta?", disse.

"Em voz alta," disse Bob com firmeza.

Pigarreei um pouco antes de começar. "Pato," disse.

"Ele chama-se Bob Junior", interveio o superior do Bob. Mandei-lhe um olhar fulminante.

"Pato," continuei, "preciso de saber, quando se usa um suporte de correia, o que é que impede o tubo do aspersor de saltar fora da correia quando a cabeça descarrega, fazendo com que o tubo..."

Estava eu no meio da pergunta quando, de repente, a resposta me veio à cabeça. O suporte de correia está suspenso da estrutura acima por uma haste roscada. Se a junção do tubo cortar a haste de forma a que ela fique junto ao topo do tubo, ela vai essencialmente segurar o tubo no suporte e impedi-lo de sair. 

Virei-me para olhar para o Bob. O Bob acenava. "Já sabes o que é, não sabes?", disse ele.

"Coloca-se a haste roscada no topo do tubo," disse eu.

"Está certo," disse o Bob. "Da próxima vez que tiver uma questão, quero que venha aqui e pergunte ao pato, não a mim. Faça a pergunta em voz alta. Se depois continuar a não saber a resposta, nesse caso pode perguntar-me a mim."
Aconselho-o a ver o artigo original (em inglês) para saber a história completa.

A ideia por detrás disto é que o simples facto de colocar o seu problema na forma de uma pergunta ajuda-o a solucioná-lo. Antes de colocar o seu problema a alguém, ele faz sentido na sua mente. No entanto, quando tenta estruturá-lo na forma de uma pergunta irá verificar que é mais difícil fazê-lo do que pensava. Na tentativa de dar a volta à questão para a tornar mais clara, apercebe-se subitamente que está a olhar para o problema da forma errada. A solução surge facilmente logo a seguir.

Já experimentei usar a solução "perguntar ao pato" inúmeras vezes. Não que eu tenha mesmo um pato de borracha, ou empalhado, mas isto pode-se fazer com qualquer coisa. O autor original da história acima usou mais tarde uma fotografia de Newt Gingrich. E você pode também usar a sua mascote favorita, ou mesmo nenhuma. Eu, pessoalmente, prefiro usar o email em vez do chat (e às vezes até de falar pessoalmente) para colocar as minhas questões. 40% das vezes acabo por não enviar o email porque achei a solução enquanto escrevia a pergunta. E quando os meus colegas me fazem perguntas pelo chat, por vezes peço-lhes para esperarem 5 minutos antes de eu responder. Após 2 minutos recebo outra mensagem a dizer "Esquece, já resolvi o problema sozinho". (e nessa altura, respondo "Estás a ver? Fiz com que perguntasses ao pato!")

2. Pergunte a um assistente do House


Os patos podem por si só resolver alguns dos seus problemas. Mas às vezes perguntar ao pato não chega. Eles estão sempre tão... sossegados. Às vezes é necessário um pouco de feedback, e se precisar de feedback, então precisa de um assistente do House.

Eu inventei o termo "assistente do House" por causa da série Dr. House (House M.D.). Se já viu mais que um ou dois episódios da série, então já sabe provavelmente que é sempre o próprio House que descobre a doença que o doente tem no final do episódio. Então para que é que ele precisa de três assistentes?

Bem, o próprio House, o personagem, disse-o já algumas vezes, ele precisa de ter assistentes. Ele precisa das sessões de brainstorming que eles fazem na tentativa de resolver o problema do paciente. Ele precisa de alguém que fale com ele, que lhe responda, porque é no meio dessa conversa que a solução aparece, como por magia.

Um dos meus episódios favoritos do Dr. House acontece quando ele está dentro de um avião com um homem que tem uma potencial doença contagiosa. Uma vez que ele não tem acesso aos seus assistentes, ele escolhe três passageiros do avião completamente ao calhas para conversar com ele sobre o assunto. Mesmo não sabendo nada de medicina, os passageiros ajudam-no a descobrir o que o paciente realmente tem.

Portanto, se precisar de ajuda com o seu problema, só precisa de pedir ajuda a um assistente do House. O seu assistente do House pode ser qualquer outra pessoa: ela não precisa de perceber daquilo em que está a trabalhar; se calhar até é melhor que não perceba. Explique o seu problema de maneira a que ela possa entender (uma forma de perguntar ao pato), e depois deixe-a conversar consigo sobre o assunto e sugerir soluções, por mais descabidas que sejam. Um assistente do House dá-lhe uma nova perspectiva do seu problema, ainda que lhe pareça a ele que só está a dizer coisas sem sentido. Ficará espantado com a rapidez com que a solução aparecerá depois de falar com um assistente do House, especialmente se antes tinha passado horas a remoer sozinho no assunto.

Eu pessoalmente não tenho muita experiência em usar assistentes do House, mas já me pediram para me tornar num deles. No fim, o meu colega agradece-me entusiasticamente por lhe resolver o problema, ainda que eu fique com a sensação que não fiz grande coisa. Só disse umas baboseiras ao calhas e de repente o problema estava resolvido sem eu saber. Portanto, se alguma vez lhe pedirem para ser um assistente do House, deve saber que vai-lhe parecer um bocado esquisito, mas é mesmo assim que funciona.

Problema resolvido.

(english version)