15 fevereiro 2011

Posso fazer uma pergunta? Posso?

Outra coisa que é particularmente irritante é quando alguém chega ao pé de nós e diz "Posso fazer-lhe uma pergunta?". Aliás, há várias correntes deste tipo de pergunta: "Pode fazer-me um favor?", "Pode tirar-me uma dúvida?", "Posso colocar-lhe uma questão?", "Pode dar-me uma informação?"

Há que esclarecer que há também duas versões desta questão, uma menos irritante e outra mais irritante. A menos irritante é quando dizem "Posso fazer-lhe uma pergunta?" e fazem a pergunta logo a seguir, portanto a primeira é assim uma espécie de introdução para a segunda. Mas irrita mais quando dizem "Posso fazer-lhe uma pergunta?" e ficam à espera que eu responda para me fazerem a pergunta!

Obviamente que tudo se passa no campo da boa educação e não é suposto irritar só por ser educado. Mas quando ouvimos isto vezes sem conta, e dito pelas mesmas pessoas, começa a irritar um bocadinho. Eu pessoalmente sou uma pessoa mais prática, se me fazem uma pergunta eu gosto de responder o mais rapidamente possível, mas para isso tenho que saber o que me estão a perguntar! Para dar um exemplo, um dia uma mulher abordou-me na rua e fez-me esta pergunta:

- Olhe, faz-me um favor? O senhor é capaz de dar-me uma informação? O senhor sabe-me dizer onde fica o grpgdfglt?

(naturalmente, eu, que tenho um problema de audição selectiva, acabei por não perceber o fim da frase, que era o mais importante e lá tive de pedir à senhora para repetir. Felizmente, não repetiu tudo desde o início).

Notem que em nenhuma das perguntas que fez ela perguntou o que queria realmente saber. As respostas podiam ter sido simplesmente "Faço", "Sou" e "Sei", e a mulher ficava na mesma. E a questão é precisamente essa: quando alguém pergunta "Posso fazer-lhe uma pergunta?", o que é que suposto respondermos?

Eu diria que em quase 100% dos casos temos que responder que sim. Alguma vez responderíamos "não"? Se por acaso respondêssemos "não" acontecia uma de três coisas:
  1. Diziam "Ah ah ah, brincalhão" e faziam a pergunta na mesma;
  2. Perguntavam "tem a certeza?", diziam "olhe que preciso mesmo de saber", e insistiam, insistiam até eu finalmente dizer que sim;
  3. Diziam "Pronto, está bem... idiota..." e iam-se embora amuados e a pensar que eu era um antipático e mal-educado.
Se eles sabem que eu tenho de responder que sim, porque é que perguntam se podem perguntar? Porque é que não perguntam logo aquilo que precisam de saber? Têm medo de mim, que lhes rosne que não quero responder a pergunta nenhuma ou que lhes diga que estão a fazer perguntas idiotas? Mas claro que só vou saber se a pergunta é idiota depois de a fazerem. Acham que estou muito ocupado e não me querem desconcentrar? Helloooo! É tarde demais, com o "Posso fazer-lhe uma pergunta?" já fiquei completamente desconcentrado!

Na verdade há uma razão para este tipo de perguntas que me assusta mais do que me irrita. Às vezes perguntam-me se me podem perguntar porque a pergunta propriamente dita é muito elaborada. Quando eu sei que é um "Posso fazer-lhe uma pergunta?" deste tipo, até tremo dos pés à cabeça.

- Posso fazer-lhe uma pergunta?
- Podes, diz lá.
- Ora bom. Em 1987, eu e duas ucranianas estávamos numas termas e blah... blah... blah... depois blah... blah... portanto achas que devemos vender as 7 caixas ou vender só 5?

Enfim. De tanto responder "Sim", "Podes", "Força", "Diz lá", "Ya...", começo a pensar em respostas parvas para dar. Respostas como:

- Podes, mas é só uma.
- Vá lá, está bem, desta vez passa.
- É pá, vou ter de pensar no teu caso...
- Porquê?
- Não sei, pergunta à Gertrudes que ela deve saber.
- Não sei se podes, vou ter de confirmar com o meu supervisor.
- Poder podes, eu é que não sei se te vou responder...
- Podias, mas já fizeste, agora olha...

Portanto, o que eu quero dizer com isto é o seguinte: não percam tempo a perguntar se podem perguntar! Perguntem logo!

Em tempos inventei o pedido de licença mais educado e mais complicado de sempre. Era assim: "Olhe desculpe, não se importa, por obséquio, de me fazer o favor de me dar licença para eu passar?".

Podiam dizer isto. Ou então podem dizer "Com licença". É a mesma coisa, e evita prolegómenos como este:


Bónus. "Com licença"? "Com licença" quer dizer que se tem uma licença, não é? Então porque é que é equivalente a "Dá-me licença"? Se é "dá-me licença" está a pedir licença porque não a tem, mas se é "com licença" é porque já tem a licença... Também dá direito a respostas parvas, como "Onde é que está a licença?", "Deixe cá ver" e "Para ligeiros ou pesados?".