07 janeiro 2010

O Acordo Ortográfico: esse cafajeste

Já se começa a falar bastante do Acordo Ortográfico e da sua implementação, agora que o assunto do casamento homossexual já está a ficar fora de moda e é preciso outro assunto com igual importância (ou falta dela) para se falar por aí. O mais engraçado são as vozes que se vão levantando e as correntes que se vão formando contra a implementação do acordo. Já há um grupo no Facebook contra o acordo ortográfico. No Twitter começo a ver alguns avatares com a inscrição #contraAO incluída. O jornal Público tomou publicamente (passe o pleonasmo) uma posição, de se recusar a mudar para o novo acordo e fê-lo justamente com uma capa que ilustra os horrores das mudanças na língua (as já famosas exceção, ótimo e ação). Mas afinal o que é que se passa? É assim um assunto de tão elevada importância nacional? Far-se-ão manifestações contra o novo acordo semelhantes às dos professores? A revolução vai nascer da oposição a um acordo ortográfico?

Deixem-me dizer, antes de mais, que eu também não estaria minimamente interessado em fazer qualquer tipo de mudanças na língua que falo ou, neste caso, que escrevo. Até porque, como programador de software em português, mais cedo ou mais tarde terei que converter os textos do meu programa para o novo acordo, e isso sempre dá trabalho, caraças! Se assim não fosse, talvez fincasse o pé como muitos pretendem fazer e continuasse a escrever "à antiga" até me prenderem por isso. Mas como tenho que o fazer já me conformei, e sempre é melhor ir no pelotão da frente do que nos que vão atrás.

Mas mesmo assim achava que toda a gente estava a fazer uma tempestade num copo de água. Será que com o acordo a escrita fica assim tão confusa? Será que acreditam realmente que vamos ser obrigados a dizer cafajeste, troglodita e me dá uma carona? Ou será que não podem mesmo viver sem os p e os c que vão arrancar desumanamente às nossas queridas palavrinhas?

Como estava mesmo na dúvida e queria saber ao certo qual era o "grande problema" de que tanto falavam, fui ler o Acordo Ortográfico. Sem tirar nem pôr. Fui aqui e li-o de uma ponta à outra. Bem, não me detive muito na carrada de palavras que eles dão como exemplo (ou será que são mesmo só essas?), e nem me dei ao trabalho de perceber o que eram palavras Oxítonas, Paroxítonas e Proparoxítonas, mas deu para perceber alguma coisa. Leiam-no também, não é assim tão grande como isso, numa horita já dá para se perceber o essencial.

E o que é, afinal de contas, o essencial? É que, além da dúzia de palavras às quais se vão roubar os c e os p, da perda de acentos em uma ou duas palavras significativas (casos de veem, do verbo "ver", e para, do verbo "parar", que fica sem o acento - provavelmente a que me faz mais confusão), da perda do hífen em mais duas ou três (hás de; hei de) e do facto de passarmos a escrever os dias da semana e os meses em minúsculas, todas as outras regras deste acordo já são seguidas no português europeu corrente (sem querer ser muito exaustivo) e muitas delas aceitam tanto o termo português como o brasileiro, pelo que, acreditem, muito pouca coisa haverá a mudar (pelo menos para nós, portugueses). Vale a pena fazer um alarido tão grande por causa disto?

Perguntam-me para quê, para que é que serve, se é realmente preciso. Não sei. Não faço a mínima ideia, confesso a minha total ignorância. Mas há muito boa gente que o sabe, e certamente mais qualificada que eu neste tipo de assuntos, por isso ponho-me completamente nas mãos deles. Na verdade, também não vejo a relevância, até me orgulho de termos a única língua do Mundo com duas variantes tão diferentes que os livros têm que ser traduzidos de português para brasileiro e vice-versa. Mas há um facto que me surpreendeu e que vai surpreender muitos dos que forem ler o texto como sugeri: o Acordo Ortográfico que vamos implementar não é de 2009, nem de 2005 nem de 2000. É de 1990. Ora se estamos em 2010, ora seis vezes três dezoito, andamos, deixa cá ver, há 20 anos a tentar ratificar este acordo! 20 anos! E trata-se de um esforço conjunto de 8 países, não são simplesmente Portugal e Brasil que decidiram "casar" linguisticamente e fazer a vida negra aos seus habitantes. Eu sei que isto não é grande argumento, mas também na justiça, salvo em casos graves como o homicídio, também não é preciso haver factos irrefutáveis, basta o depoimento de uma ou duas testemunhas. Se após 20 anos ainda há pessoas qualificadas de 8 países diferentes que acham que o acordo ortográfico é bom para nós, então eu não posso ter nada a opor. Não por causa de uma dúzia de c's e p's e meia dúzia de acentos.

Acima de tudo, não pensem que com o Acordo Ortográfico os portugueses vão passar a escrever como os brasileiros (ou vice-versa). Os brasileiros vão continuar a dizer me dá uma carona e os portugueses não vão deixar de dizer dá-me boleia. Os programas de software vão continuar a ter versões para PT-PT e para PT-BR. Os livros vão continuar a ser traduzidos de um para o outro. Os filmes vão continuar a ser legendados em Portugal e dobrados no Brasil. Não é o fim do mundo.

E para que pudessem apreciar o nível de confusão que o Acordo Ortográfico nos traz, passei todo este texto pelo Conversor Para o Acordo Ortográfico do site da Priberam, e assinalei todas as palavras que mudaram, sendo por isso que algumas das palavras neste texto estão riscadas e aparece à frente o novo termo a vermelho. Por isso, já se vê... hã? Como? Não viram nenhuma palavra riscada nem a vermelho? Curioso...

09 dezembro 2009

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(ou Labels, ou lá o que é)

A partir de hoje este blog tem Tags. As tags são um bocadinho não-convencionais, mas são minhas, por isso...

07 dezembro 2009

A tridimensionalidade dos nossos problemas

Compreender os nossos problemas é como passar de um universo a 2D para um universo a 3D.

Eu explico.

Neste momento nós percebemos o mundo a três dimensões espaciais (mais a dimensão temporal). Mas imaginem o que seria se só víssemos duas dessas dimensões. Então tudo o que veríamos era um plano, como a superfície de uma folha de papel de dimensões infinitas. Apesar de vermos apenas duas dimensões a terceira dimensão continuava a existir, pelo que poderíamos observar fenómenos sem perceber inteiramente o que se estava a passar. Por exemplo, veríamos de repente um círculo formar-se e aumentar de tamanho, para depois voltar a diminuir e por fim desaparecer. Todos pensaríamos que era simplesmente um círculo que aumentava e diminuia, quando na realidade era uma esfera que passava através do nosso plano visível.

As pessoas vêem os problemas dos outros a duas dimensões. Os nossos problemas são tridimensionais, mas os outros vêem apenas uma pequena parte dos mesmos. É quando os problemas nos acontecem a nós que conseguimos ver a sua terceira dimensão. É nessa altura que conseguimos ver uma imensa escala de cinzentos onde os outros só vêem o preto e o branco. A terceira dimensão advém da própria complexidade dos problemas, das múltiplas consequências que as nossas decisões acarretam, do facto de cada problema ter mais que uma solução e nenhuma delas ser inteiramente satisfatória. Para quem vê a 2D só há duas soluções para o nosso problema, o caminho da direita ou o caminho da esquerda, mas nós sabemos que também podemos ir para cima ou para baixo, ou mesmo na diagonal.

Quase ninguém compreende os nossos problemas. Experimentem explicar a uma pessoa que vê a 2D que o Universo tem três dimensões e não apenas duas. Não conseguirão perceber, nunca o viram, não têm capacidade para isso. Tentem explicar-lhes o que é uma esfera e eles dirão "ah, o círculo que aumenta e diminui de tamanho, porque é que não lhe chamaste logo isso?". Não pensem que é totalmente inútil explicar a tridimensionalidade a uma pessoa que vê a 2D, algumas delas tentarão perceber, teorizarão que a terceira dimensão existe, tentarão imaginá-la nas suas mentes. Mas nunca conseguirão ver a terceira dimensão como nós a vemos.

Existem duas excepções a esta regra, dois grupos de pessoas que conseguem perceber, total ou parcialmente a complexidade dos nossos problemas. O primeiro grupo é o das pessoas que têm ou tiveram problemas semelhantes. Eles, que vêem a terceira dimensão dos seus próprios problemas, conseguem facilmente imaginar como são os nossos. No entanto, a sua resolução parecer-lhes-á tão confusa como nos parece a nós. O segundo grupo é o das pessoas que se dedicam a estudar os nossos problemas e tem uma ideia bastante boa da forma tridimensional que eles possuem. Este grupo nunca viu a terceira dimensão dos nossos problemas, mas conseguiu simulá-la em computador, transformá-la em algo que conseguem ver e usar o computador para procurar a melhor solução.

16 novembro 2009

A hinglória e triste istória do h

Depois do trabalho de hinvestigação que revelou as hinjustiças cometidas contra a manteiga, hesse nobre lacticínio, venho haqui falar de halgo que é higualmente hinjustiçado. O agá. Deixem que vos leve pelo mundo desta hincompreendida consoante e mostre as hinúmeras hatrocidades cometidas contra hela.

O agá é uma constante muito hespecial. Hé uma consoante muda, e portanto, tem a deficiência da fala. Como letra deficiente que hé, o agá hé halvo de desprezo e mesmo repugnância por parte da população portuguesa que o fala. A maioria das pessoas, hestando na presença de uma letra deficiente, tenta fingir que não a viu, fala como se hela não hexistisse. Note-se que nem todos os povos a tratam assim. Os países hanglófonos sempre tratam o agá com halgum respeito, repare-se a diferença entre eight e height, entre air e hair, entre ill e hill, e a sua himportância no meio de palavras como beehive. No hentanto, os que falam línguas de horigem latina condenaram o agá ao mais profundo desprezo, dirão "ospital" com harrogância, como se o agá não fosse preciso.

Apesar do desprezo na língua falada, os hentendidos no hassunto hacham que o agá é himportante na língua hescrita, hajuda a colorir as palavras e a torná-las distintas, dignifica palavras como emisfério, ierarquia, umanidade. É portanto na língua hescrita que o agá realmente brilha. Ou será que não?

Não referi hainda que o agá tem hamigos e hinimigos dentro do halfabeto. Hé com as consoantes que o agá se dá melhor, e por isso hé hele próprio uma consoante (porque hafinal de contas hé muda, podia ser tanto huma como houtra). Os seus melhores hamigos são o cê, o éle e o éne, que desde cedo o convidaram para se juntar a eles para tentar formar sons novos, ch, lh, nh. Com heles o agá sente-se feliz, sente que tem himportância, que a sua presença  tem um hefeito no mundo hescrito.

Por houtro lado, as vogais tratam o agá como os bullies tratam os rapazinhos mais fracos, desprezando-os e umilhando-os só por terem huma deficiência. Hé vê-los a hempurrar o agá para palavras honde não deve estar, a hafungentá-lo de palavras honde hele é necessário. E se has vogais fossem um gang, o a seria o líder. O a tem um hódio pessoal há pobre letra hindefesa, já à muito tempo. As vogais confundem os hescritores desatentos, fazem-nos pensar que o agá está bem honde não deveria hestar, que não faz falta honde ele seria mais preciso. Em consequência, a pobre letra sente-se desamparada, hexcluída, umilhada.

Heste texto é huma omenagem ao agá. Hestá hescrito desta maneira para que o agá sobressaia, para que ganhe himportância, para que verifiquem que um agá no sítio certo faz toda a diferença, que um agá no sítio errado torna as palavras hesquisitas, sem lógica, sem sentido. Não desprezem o agá, não menosprezem o agá. Apesar de ser hapenas uma consoante muda, hela faz toda a diferença.

Nota: consta que quando o halfabeto latino chegou a Portugal, todas as letras se hapresentaram, dizendo ho seu nome na nova língua. No entanto, quando chegou a vez do agá, a pobre letra muda nada disse. Depois de um momento constrangedor, foi o seu vizinho g que se chegou há frente, e tentou com halgum hesforço dizer hum houtro nome, hum que as pessoas distinguissem do seu próprio nome. Foi hassim que o h se passou a chamar agá.

09 outubro 2009

A Carta de Amor Universal

A Carta de Amor Universal foi repescada do meu antigo site, a JotaPage, e escrita já há uns bons dez anos. A intenção era fazer uma carta que qualquer pessoa pudesse entregar à pessoa amada para declarar o seu amor por ela, uma carta simpática para "quebrar o gelo". Aliás, tenho conhecimento de pelo menos uma pessoa que usou esta carta para se declarar, e foi bem sucedida.
A carta é de tal forma útil (ou será mesmo?) que até me lembrei de criar uma licença Creative Commons para a mesma! Se quiserem vejam o documento original, copiem-no, editem-no, façam o que quiserem. Em troca só vos peço uma coisa: se a carta der resultado, deixem aqui um comentário.

Creative Commons License
A Carta de Amor Universal por djeidot está licenciada segundo a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial 2.5 Portugal License. Não usar para fins comerciais!!!



        N._______:

        Olá. Precisava de falar contigo... quer dizer, queria falar... quer dizer, quero falar contigo... ou melhor, pronto, eu não vou falar contigo, portanto é queria falar contigo. OK. Queria falar contigo sobre uma coisa, uma coisa assim, pronto, uma coisa que aconteceu comigo... ou está a acontecer... pronto, eu já te digo o que é. Como eu estava a dizer, queria falar contigo, mas como eu... dado que... O que se passa é que eu sou... pronto, sou um bocado... quer dizer, pronto, não tenho jeito para falar destas coisas. De lamechices, e am... aaa... Quero dizer então que como não consigo... quer dizer, não tenho jeito (não quer dizer que não consiga!) para falar destas coisas, decidi escrever-te esta carta. Porque afinal as cartas falam por si (quer dizer, por mim), e pronto, pelo menos na carta posso escrever o que me apetecer e assim dá para dizer aquilo que eu quero... quer dizer, aquilo que eu peço... e aquilo que eu tenho e não tenho e sou e não sou e... quer dizer... pronto, e então escrevo esta carta para que... pronto, por causa disso.
        Sabes, o que eu queria era... ou melhor, o objectivo desta carta é que tu... pronto, o objectivo da carta não é nada disso. O objectivo da carta... OK, não interessa. Bem, como eu sei que não tens... quer dizer, acho que sei. Não tenho a certeza. Pelo menos a mim disseram-me que não... ou será que tens? Se calhar quando a carta chegar às tuas mãos já arranjaste um... quer dizer, se tiveres, tudo bem, desejo-te muitas felicidades, e pronto, não te preocupes comigo. OK. Se não tiveres... aaa... Estava a pensar, se por acaso não tiveres um nam... aaa... Se por acaso não tiveres um.... uma pessoa com quem tu nam... pronto, uma pessoa que goste de ti e tu gostes dela. Pronto. Estava a pensar se não podias ter... ser... Quer dizer, se eu não podia ser teu... essa pessoa. Quer dizer, se tu quiseres, claro. Não és obrigada a... pronto, não és obrigada a nada. És livre e desimpedida (quer dizer, pronto, lá está, não tenho a certeza, mas acho que és) e és livre para fazer aquilo que te apetecer. Eu também sou livre e posso fazer o que eu quero e por isso é que... OK, não interessa.
        Porquê, perguntas tu. Exacto, porquê... Ora bem, a resposta é muito simples. Eu... muito simples. Porque eu... aaa... eu estou ap... Desde a primeira vez em que te conheci... OK, não foi na primeira vez, foi um bocadinho depois. Mais precisamente a... não me lembro. A minha memória tem andado muito desconcentrada... são testes e trabalhos e mais testes a seguir e as férias são curtas... aaa... pois! Ou seja: o que eu quero dizer com isto é que eu... OK. N._____, eu... Eu tenho um amigo, que... Tu não o conheces. Não. Pronto. Esse meu amigo , sabes, gosta assim... gosta um bocadinho de uma... não, não gosta um bocadinho, gosta muito de uma... mesmo muito. Gosta muito de uma... pronto, de uma rapariga, que... que por acaso é parecida contigo! Mas tu também não a conheces. Pronto, e ele, o meu amigo, gosta muito dessa rapariga, mas não consegue dizer-lhe o que sente, e depois ela não sabe, e como não sabe, não lhe liga nenhuma, e depois ele... Pronto, e então mando-te esta carta para saber se a tal rapariga, que tu não conheces, aceita nam... quer dizer, se ela gosta dele também, do meu amigo, que tu também não conheces. Não sei se me estás a perceber...
        Pronto. É isto. Se tu... quer dizer, se ela aceitar nam... pronto, se ela aceitar a min... a proposta dele, ele ficará felicíssimo e os dois viverão felizes para sempre... ou pelo menos durante as duas primeiras semanas... Se ela não aceitar, tudo bem, ele compreende perfeitamente, e pronto, espera que os dois possam ser amigos - embora ele não lhe vá falar durante duas semanas por não ter gostado nada da resposta dela. Pronto, mas isso passa, eu hei... ele há-de se conformar. A sério, não há problema nenhum e ele só espera que continue a poder estar contigo. Com ela, quero dizer. Quer dizer, por acaso é mesmo contigo... Quer dizer... pronto. OK. Como já deves ter percebido, o amigo de que te estou a falar sou... pronto, sou... OK, esquece o amigo. N._____, eu... Já sei! Vamos supor por hipótese - e pronto, isto é só uma hipótese, hã? - vamos supor... Suponhamos que eu, por hipótese, pronto, que eu gostava de ti. Pronto. Isto é só a brincar, hã? Pronto, eu gostava de ti e pedia-te para nam...orar comigo. Ah, ah, ah! Engraçado, não é? Eu, pedir-te namoro! Eh, eh, eh! Pronto, mas isto é só por hipótese. Por hipótese, suponhamos que eu te fazia uma proposta de namoro. Será que tu aceitarias essa proposta, hipoteticamente falando?

Assinado:
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