Diria Paula Bobone (e se calhar até disse mesmo) que a boa educação é o que nos distingue dos animais selvagens. E com toda a razão. A boa educação nunca fez mal a ninguém. Veja-se, a título de exemplo, os famosos duelos entre nobres do século XVII: "Com sua licença, desafio-o para um duelo até à morte!". Assim sim, dava gosto ver assassinar pessoas. Assassino sim, mas com educação. Esquecem-se os apologistas da boa educação que devia preocupar-se mais com ela quem educa e não quem é educado, mas isso é história para outro artigo. Para já, queremos dizer que temos etiqueta e boas maneiras, e por isso não somos nenhuns trogloditas.
Mas agora que começamos a entrar no verdadeiro século XXI (porque os primeiros dez anos foram apenas para nos ambientarmos), os antigos manuais de boas maneiras começam a ficar obsoletos. Convenhamos que frases como "Nunca permita que manteiga, sopa ou qualquer outra comida permaneça nos seus bigodes" já não se usam porque hoje em dia ninguém tem bigode. E como hoje em dia há até altos responsáveis do governo português que se escusam a usar gravata, penso que é uma boa oportunidade para revolucionar o conceito de boa educação e prepará-la para este século.
Deixo-vos por isso alguns conselhos práticos de boas maneiras. Com o tempo, este artigo irá sendo acrescentado de forma a se tornar um manual completo de etiqueta para o século XXI. Aqui vão algumas sugestões:
1 - Quando alguém se apresentar a si dizendo o seu nome, responda "Muito prazer". Esta resposta, além de educada, dá-lhe, mesmo que por alguns segundos, o perverso prazer de já saber o nome dessa pessoa sem que ela saiba o seu. Os interlocutores mais atrevidos, depois de um visível embaraço, perguntar-lhe-ão de imediato o seu nome, pergunta à qual terá de responder honestamente. Os mais tímidos, porém, optarão pelo silêncio e ficarão o resto da noite à coca a ver se alguém o chama pelo nome.
2 - Tente espirrar uma segunda vez depois da outra pessoa dizer "santinho". Este é um teste à boa educação do seu interlocutor. Se ele for realmente bem educado, dirá "santinho" também da segunda vez. Se conseguir ter múltiplos espirros, então torna-se um jogo de forças, a ver quem desiste primeiro. Se o seu interlocutor não disser "santinho" uma vez por cada espirro seu, não precisa de lhe dizer "obrigado".
3 - Ao receber alguém em sua casa, peça desculpa pela desarrumação apenas se a casa estiver IMPECÁVEL. As suas visitas ficarão impressionadíssimas e andarão o resto da noite a inspeccionar a casa para tentar perceber ao certo qual será a parte da mesma que está desarrumada.
4 - À mesa, diga "Bom apetite" apenas quando todos os outros já começaram a comer. Isto provocará um enorme peso na consciência dos seus comensais, que finalmente se lembrarão que se atiraram à comida que nem uns alarves e não esperaram por ninguém para o fazer. Com alguma sorte, um deles engasgar-se-á com a comida e um outro otário que não conhece a manobra de Heimlich irá bater-lhe com toda a força nas costas.
5 - Avise os outros que vai começar a comer com as mãos. Esta regra é simples. Sejam costeletas de porco ou bacalhau com natas, comer com as mãos é sempre permitido desde que se avise antecipadamente. Pode dizê-lo de várias maneiras, desde a simples e directa "É só para avisar que vou comer isto com as mãos", passando pela subtil "Pessoal, isto é frango, tem que se comer com as mãos, não é?" e até à rija e máscula "É pá, eu como sempre isto com as mãos. É à portuguesa!". Outra nota importante: não é de bom tom aproveitar-se de outra pessoa o ter anunciado primeiro para começar a comer com as mãos também: todos os que pretendem comer com as mãos devem dizê-lo bem alto para toda a mesa ouvir.
6 - Empanturre sempre as suas visitas e diga-lhes que é para não "fazerem cerimónia". A ironia desta singela frase é que é precisamente para fazer cerimónia que as suas visitas vão acabar por comer mais do que pretendiam. Lembre-se que deve sempre pôr-lhes mais comida no prato e mais vinho no copo sem elas pedirem (e até, se possível, sem elas verem), e principalmente, não os deixe voltar a colocar a comida na travessa, porque "parece mal". Ao terminar a refeição, faça desaparecer todos os pedaços de carne da travessa menos um, e obrigue a visita a comê-lo, "para não se estragar". Como cereja no topo do bolo (que aliás também convém que a visita coma), diga-lhe no final para "não ir lá para fora dizer que foi daqui cheia de fome".
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