23 agosto 2011

Pois claro que estás!

Acham que isto é uma maneira parva de atender o telefone?


Na verdade, se estivessem cá os Castigadores da Parvoíce, metade de Portugal era dizimada. Eu incluído. Tudo isto por causa dessa mania irritante de, ao atender o telefone, perguntarmos ao outro se estamos.

Se não perceberam já lá vamos. Um pouco de história, primeiro. A expressão mais correcta, em termos convencionais, a usar para atender o telefone é efectivamente "Alô". Vem do inglês "Hello", antigamente "Hallo", foi o próprio Thomas Edison que a sugeriu como saudação ao atender o telefone, e quer dizer, literalmente, "Olá". Dizer "Olá" é uma óptima forma de atender o telefone, não acham? Para os mais distraídos, não é a Thomas Edison que se atribui a invenção do telefone, é a Alexander Graham Bell, só que este sugeriu que se dissesse "Ahoy hoy!" Felizmente, nessa altura, os Castigadores da Parvoíce estavam lá.

Grande parte dos brasileiros dizem "alô". Alguns, dependendo do sotaque, acabam por dizer "alôe". E se for a Vera a ligar, dizem "alôe Vera". (ok, foi a piada possível, foi seca como o deserto do Sahara mas tinha que ser). E se a memória não me engana, houve um tempo em que também os portugueses atendiam o telefone com "alô". Eu tenho uma vaga ideia de o ter feito nos meus tempos de miúdo.

E depois Portugal inteiro começou a mudar, primeiro de "Alô" para "Está lá?" ou "Está?", e depois de "Está lá?" para "Estou sim?", "Estou?" e finalmente "Tou?". Neste momento, "Tou?" é provavelmente a forma de atender o telefone mais usada em Portugal.

Eu fui acompanhando todas as mudanças e, confesso, sempre as aceitei com naturalidade, nunca pensei em questioná-las, sempre as achei uma forma válida de atender o telefone como todas as outras. Afinal, se toda a gente diz, não deve estar mal de todo, não é? Até que uma amiga brasileira me viu a atender o telefone e disse "Que é essa merda de estou? Isso quer dizer o quê? Não sabe dizer alô?" E nessa altura tive uma epifania. Nessa altura percebi tudo. "Ééé pááá, esta maneira de atender o telefone é muita parva..."

É que já o "Está lá?" era parvo o suficiente. Quer dizer, se a pessoa atende o telefone, é claro que está lá! Onde é que havia de estar? Se estivesse cá, não era preciso telefonar! A minha teoria é que o "Estou, sim" era uma resposta ao "Está lá?", que no fundo era uma pergunta na categoria das perguntas que têm sempre a mesma resposta. A certa altura as pessoas começaram a dizer "Estou sim" logo ao atenderem o telefone, antes que tivessem de ouvir o "Está lá?" do outro lado que já começava a ser irritante. Digamos que era uma resposta preventiva. Por isso o "Estou sim", ou o "Estou", ditos em tom de afirmação, até fazem sentido. Como quem atende o telefone e diz "Estou aqui, fala comigo". De qualquer forma, não deixa de ser um pleonasmo, já que se eu vou atender o telefone é porque estou! Onde é que havia de estar?

Mas o meu problema com o "Estou" não é bem esse, é a entoação que é dada à palavra, que acaba por converter uma afirmação numa pergunta. Olhem bem para vocês da próxima vez que atenderem o telefone e digam-me se estão a dizer que estão ou a perguntar se estão. "Estou?", "Tou?" e "Estou sim?", ditos em tons de pergunta, há que dar a mão à palmatória, são parvos até dizer chega. Imagino-me a telefonar a alguém e responderem-me com "Estou?". Estão a perguntar-me a mim se estão? Como é que querem que eu saiba? Eles não sabem se estão? Ainda pior é perguntarem se "estão sim". "Estou sim?" "Não, estás talvez."

Será que há assim tantos portugueses com crise de identidade? Que não sabem onde estão, se estão ou se não estão, se estão sim ou se estão não? Pelo andar da carruagem, pela evolução que passou do "Está lá" para o "Estou, sim", não há-de tardar muito até que comecemos a atender o telefone a gritar "Pois claro que estás!".

Portanto, neste ponto tenho que admitir que os brasileiros levaram a sua avante. Mas os brasileiros não se ficam a rir, não. Que é que é isso de dizer "Pronto!" a atender o telefone? Pronto para quê, para sair? Do tipo, já se vestiram e puseram a maquilhagem? Eles calavam-se mas é caladinhos, se soubessem que em Portugal Pronto também é o nome de um produto para limpar o pó. Ah pois é!

09 agosto 2011

A Crônica do Beijinho

Calma, calma, suas mentes perversas e sedentas de tudo o que tenha minimamente a ver com sexo. Esta não é uma crônica do beijo, do beijo fogoso, quente, apaixonado. É uma crônica do beijinho, do beijinho de amigo, do beijinho de cumprimento. Porque é que é crônica? Não sei, podia ser a História do Beijinho, ou o Dilema do Beijinho. Crônica não é bem história mas soa melhor, e além disso Crônica rima com a Turma da Mônica.

Repararam que ainda escrevo com sotaque brasileiro? Pois é, minha gente. Já voltei do Brasil faz dois meses, mas há uma coisa que não consegui tirar da ideia quando lá estive, que não consigo tirar da ideia desde que voltei: afinal, no Brasil devo cumprimentar as mulheres com um beijinho ou com dois?

Em Portugal é fácil. Todo mundo se cumprimenta com dois beijinhos, exceto as tias de Lisboa (e arredores), para quem um beijinho só é que é fino, e dois é "pessidonice" (é brega, pronto). Na Rússia e na Suíca são três; em França são quatro (aí, beijoqueiros!). Em Nova Iorque dão apenas um beijinho, embora mesmo assim algumas pessoas não gostem muito. Na Suécia não tem beijinho nenhum, eles dão uma espécie de "meio abraço".

E no Brasil? Nunca entendi. Umas vezes dei um, outras vezes dei dois. Fiquei pensando se seria comum darem dois beijinhos de vez em quando, ou se me davam dois beijinhos a mim porque eu era português. Também não dá pra entender muito bem porque o gesto de dar beijinho de cumprimento é quase automático. É uma questão de milésimos de segundos, se de repente você se inclina para me dar um beijinho na outra face, eu vou perceber e vou instintivamente fazer o mesmo. Mesmo que minha intenção inicial fosse de me afastar depois do primeiro beijinho.

Quanto a mim, um beijo só é coisa que não faz sentido. O ser humano tem duas faces, porque é que só uma pode levar beijinho? Porque é que uma face tem que ficar rindo e outra chorando? Tem que dar beijinho nas duas, pô! É o princípio da igualdade!

Até no mundo virtual os portugueses se cumprimentam de forma diferente dos brasileiros. Português se despede de seus amigos virtuais mandando beijinhos (bâijinhush). Pequeninos, mais muitos. A não ser quando envia "beijinhos grandes". Aí se ferrou. Que é que é um beijinho grande? Afinal é grande, ou é pequeno? Será o mesmo que um beijão pequeno? Ou é o contrário?

Brasileiro, pelo contrário, é mais maduro, mais adulto. Não tem essa coisa de beijinho não, brasileiro manda beijo (bêjo) mesmo. E não manda beijos, manda Um Beijo, só um, que brasileiro não é brega não. Beijos no Brasil são poucos mas poderosos, um só dá pra sustentar você até o dia seguinte.

Portanto é isso aí, meus irmãos do Brasil. Me ajudem a resolver essa dúvida. Vocês dão um beijinho ou dois? Olhem que a outra face também merece!

Apideite: com a ajuda de alguns amigos brasileiros lá consegui descobri quantos beijinhos se dão no Brasil. E a resposta é: depende do estado! No estado de São Paulo é um, no do Rio de Janeiro são dois, e no fabuloso estado de Minas Gerais dão três beijinhos, três! Êta estado beijoqueiro!!!

(Nota: Apideite não é uma palavra a sério. Não, nem no Brasil)

02 agosto 2011

Etiqueta e boas maneiras

Diria Paula Bobone (e se calhar até disse mesmo) que a boa educação é o que nos distingue dos animais selvagens. E com toda a razão. A boa educação nunca fez mal a ninguém. Veja-se, a título de exemplo, os famosos duelos entre nobres do século XVII: "Com sua licença, desafio-o para um duelo até à morte!". Assim sim, dava gosto ver assassinar pessoas. Assassino sim, mas com educação. Esquecem-se os apologistas da boa educação que devia preocupar-se mais com ela quem educa e não quem é educado, mas isso é história para outro artigo. Para já, queremos dizer que temos etiqueta e boas maneiras, e por isso não somos nenhuns trogloditas.

Mas agora que começamos a entrar no verdadeiro século XXI (porque os primeiros dez anos foram apenas para nos ambientarmos), os antigos manuais de boas maneiras começam a ficar obsoletos. Convenhamos que frases como "Nunca permita que manteiga, sopa ou qualquer outra comida permaneça nos seus bigodes" já não se usam porque hoje em dia ninguém tem bigode. E como hoje em dia há até altos responsáveis do governo português que se escusam a usar gravata, penso que é uma boa oportunidade para revolucionar o conceito de boa educação e prepará-la para este século.

Deixo-vos por isso alguns conselhos práticos de boas maneiras. Com o tempo, este artigo irá sendo acrescentado de forma a se tornar um manual completo de etiqueta para o século XXI. Aqui vão algumas sugestões:

1 - Quando alguém se apresentar a si dizendo o seu nome, responda "Muito prazer". Esta resposta, além de educada, dá-lhe, mesmo que por alguns segundos, o perverso prazer de já saber o nome dessa pessoa sem que ela saiba o seu. Os interlocutores mais atrevidos, depois de um visível embaraço, perguntar-lhe-ão de imediato o seu nome, pergunta à qual terá de responder honestamente. Os mais tímidos, porém, optarão pelo silêncio e ficarão o resto da noite à coca a ver se alguém o chama pelo nome.

2 - Tente espirrar uma segunda vez depois da outra pessoa dizer "santinho". Este é um teste à boa educação do seu interlocutor. Se ele for realmente bem educado, dirá "santinho" também da segunda vez. Se conseguir ter múltiplos espirros, então torna-se um jogo de forças, a ver quem desiste primeiro. Se o seu interlocutor não disser "santinho" uma vez por cada espirro seu, não precisa de lhe dizer "obrigado".

3 - Ao receber alguém em sua casa, peça desculpa pela desarrumação apenas se a casa estiver IMPECÁVEL. As suas visitas ficarão impressionadíssimas e andarão o resto da noite a inspeccionar a casa para tentar perceber ao certo qual será a parte da mesma que está desarrumada.

4 - À mesa, diga "Bom apetite" apenas quando todos os outros já começaram a comer. Isto provocará um enorme peso na consciência dos seus comensais, que finalmente se lembrarão que se atiraram à comida que nem uns alarves e não esperaram por ninguém para o fazer. Com alguma sorte, um deles engasgar-se-á com a comida e um outro otário que não conhece a manobra de Heimlich irá bater-lhe com toda a força nas costas.

5 - Avise os outros que vai começar a comer com as mãos. Esta regra é simples. Sejam costeletas de porco ou bacalhau com natas, comer com as mãos é sempre permitido desde que se avise antecipadamente. Pode dizê-lo de várias maneiras, desde a simples e directa "É só para avisar que vou comer isto com as mãos", passando pela subtil "Pessoal, isto é frango, tem que se comer com as mãos, não é?" e até à rija e máscula "É pá, eu como sempre isto com as mãos. É à portuguesa!". Outra nota importante: não é de bom tom aproveitar-se de outra pessoa o ter anunciado primeiro para começar a comer com as mãos também: todos os que pretendem comer com as mãos devem dizê-lo bem alto para toda a mesa ouvir.

6 - Empanturre sempre as suas visitas e diga-lhes que é para não "fazerem cerimónia". A ironia desta singela frase é que é precisamente para fazer cerimónia que as suas visitas vão acabar por comer mais do que pretendiam. Lembre-se que deve sempre pôr-lhes mais comida no prato e mais vinho no copo sem elas pedirem (e até, se possível, sem elas verem), e principalmente, não os deixe voltar a colocar a comida na travessa, porque "parece mal". Ao terminar a refeição, faça desaparecer todos os pedaços de carne da travessa menos um, e obrigue a visita a comê-lo, "para não se estragar". Como cereja no topo do bolo (que aliás também convém que a visita coma), diga-lhe no final para "não ir lá para fora dizer que foi daqui cheia de fome".